Decreto do Governo Federal coloca o Brasil na rota de capturar uma importante fatia do mercado voluntário de carbono que deve crescer pelo menos dez vezes até 2030¹ e ajuda a entender a estratégia do executivo do que pode vir a ser um ETS² Brasileiro.
Em um evento pomposo realizado no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e que contou com a presença do presidente da República, seus ministros da Economia, Meio Ambiente, Relações Exteriores, Minas e Energia, com os presidentes do Banco Central, do Banco do Brasil, da Petrobrás, além de dezenas de CEOs e Empreendedores de empresas ligadas aos setores de energia, agropecuária e mercados ambientais, o Governo Federal anunciou uma série de medidas para aumentar a competitividade brasileira em negócios ligados à Descarbonização e aos chamados Investimentos Verdes. Sem dúvida, o mais importante foi o decreto 11.075 que estabelece procedimentos para acordos setoriais de mitigação de Gases de Efeito Estufa (GEE), além de instituir o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, intitulado de SINARE.
13 anos de trajetória
A base jurídica do decreto é de 2009, quando foi estabelecida por lei a Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC). É na PNMC que surge a ideia dos acordos setoriais para mitigação de GEE, incluindo por exemplo os setores de energia, de agricultura e transporte; além de introduzir o conceito do Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, o ETS verde e amarelo.
Infelizmente já passados 13 anos da PNMC ainda não temos estabelecido os planos setoriais e muito recentemente começamos a ver avanços expressivos nas condições de negócios (“business environment”) para o desenvolvimento dos mercados voluntários de carbono no país, com o estabelecimento do Programa Floresta+ Carbono (2020), e da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (lei 14.119) de 2021.
Esse direcionamento pró mercado é essencial para que o Brasil possa capturar uma fatia condizente com nossas vantagens competitivas, trazendo para cá, via mercados de carbono, financiamento mais do que necessário para uma rota de descarbonização, principalmente em atividades ligadas ao uso da terra como agropecuária e florestas.
Esse decreto é apenas o tão esperado pontapé inicial, afinal resta ainda um longo caminho regulatório para endereçar questões técnicas complexas e lacunas jurídicas que ainda precisam ser esclarecidas, como da própria natureza jurídica dos créditos, e adotadas, como por exemplo as Salvaguardas Socioambientais para registro no SINARE. Alguns analistas de mercado e advogados ligados ao tema sugerem que parte dessas lacunas deveriam ser preenchidas em formato de Lei, hoje debatidas no Congresso sob o PL 528/213.Iniciativas complementares que devem seguir em paralelo a outros mecanismos de precificação estabelecidos por Lei, fato amplamente reconhecido no artigo 6 do Acordo de Paris.
De qualquer maneira fica evidente a sinalização política do caminho escolhido pelo país em relação ao financiamento de atividades ligadas à descarbonização, mais mercados e menos impostos. Muito em linha com o recém-publicado relatório do Banco Mundial sobre Precificação de Carbono, que mostra que mundialmente em 2021 o total arrecadado via mercado de carbono foi da ordem de US$ 56 bi, enquanto nos regimes de impostos (tax) o valor ficou em US$ 28 bi. Enfatizando que no caso dos mercados, esse é apenas o valor das transações primárias (compra de allowances4+ primeira venda no Voluntário), ou seja, não inclui o mercado secundário que pode ser na ordem de US$ 754 bi.
E o mercado voluntário com isso?
O mercado voluntário de carbono serve para aumentar a ambição climática de diversos atores, como empresas comprometidas com o Net Zero, e ao mesmo tempo financiar atividades ainda sem viabilidade financeira, como restauração e conservação florestal. Inúmeras análises e reportes de mercado5 indicam um crescimento entre 15 à 20 vezes nos próximos 10 anos. A Mckinsey estima um valor de mercado da ordem de US$ 50 bi em 2030. Só no ano passado, foram lançadas mais de 110 iniciativas de sequestro e redução de GEE financiadas por esse mercado somente no padrão Verified Carbon Standard (VCS) do Verra.
Buscar uma fatia desse bolo global de financiamento é obrigação de qualquer governo comprometido seriamente com o desenvolvimento sustentável no Brasil. Nesse sentido, a instituição do SINARE, observada à necessidade da definição de Salvaguardas Socioambientais, é um grande avanço, pleito antigo das empresas desenvolvedoras de projetos como a Biofílica, e merece ser celebrado. A expectativa é que essa central única e digital sirva como uma espécie de “filtro”, permitindo somente o registro de programas e projetos socioambientalmente íntegros, com benefícios climáticos reais. Isso só fortalece os créditos “Made in Brazil” e nos deixa ainda mais competitivos para receber financiamento via mercados de carbono. Exportação.
É também possível imaginar que em um horizonte de cinco anos os créditos registrados dentro do Sinare possam acessar demanda de empresas reguladas no Brasil que precisarão atingir suas metas setoriais. Venda doméstica.
A Biofílica Ambipar Environment é pioneira no mercado voluntário no Brasil e começa a preparar sua expansão internacional. Temos acompanhado de perto as evoluções regulatórias e metodológicas, tanto em âmbito nacional quanto internacional, de iniciativas de financiamento para o carbono. Faz parte do nosso propósito encontrar Soluções Baseadas na Natureza que possam ajudar diferentes atores a atingirem suas metas de mitigação. Seja por acordos setoriais ou seja por metas internas, nos colocamos à disposição para avançar essa agenda climática juntos.
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1De acordo com dados da McKinsey (2021)
2Emissions Trading System ou Sistema de Comércio de Emissões. Esse modelo de mercado de carbono é o chamado mercado regulado, onde créditos são transacionados somente entre entes regulados para cumprirem com uma legislação.
3O PL 528/21 propõe um Mercado Regulado Brasileiro de Emissões (MRBE) que efetivamente instituiria um mecanismo de cap-and-trade no Brasil. Atualmente, a relatora do PL, a Deputada Carla Zambelli (PL/SP), tem trabalhado para a apreciação em plenário do PL, que está aguardando votação do seu último relatório apresentado no dia 19 de maio.
4Allowances, ou permissões de emissões, são como um certificado para uma empresa que permite que este ente regulado emita uma tonelada de dióxido de carbono equivalente. São esses ativos que são transacionados nos mercados regulados de carbono.
5Veja, por exemplo, as análises de mercado da consultoria EY (2022) e do Trove Research (2021)
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