por Caio Gallego, Gerente de Inteligência NBS na Biofílica Ambipar
O manejo florestal na Amazônia desempenha um papel crucial na conservação ambiental e no combate às mudanças climáticas, especialmente em face do crescimento das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) decorrentes da conversão de florestas tropicais. O Manejo Florestal Sustentável (MFS) representa uma evolução da prática predatória do passado para uma abordagem mais responsável e sustentável, permitindo a extração seletiva e de baixo impacto de madeira, promovendo a regeneração da floresta e a preservação da biodiversidade.
Existe uma correlação positiva entre o MFS e o Mercado Voluntário de Carbono (VCM), uma vez que o primeiro se trata de uma atividade de gestão florestal de baixo impacto, e o segundo visa financiar atividades que promovam, por meio de suas práticas, a redução ou remoção de emissões de GEE. Podemos considerar diferentes aspectos nessa relação, como:
Por este motivo, entende-se que a associação do MFS a projetos de carbono é um passo inicial para promover a gestão territorial, assegurar a estabilidade financeira e a visão de longo prazo necessárias para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Discorreremos a seguir nas razões para esta afirmação.
Atualmente, as atividades de conversão de florestas tropicais em usos agropecuários representam uma parcela significativa das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) no Brasil1. Portanto, as práticas de gestão, manejo e conservação florestal desempenham um papel fundamental na mitigação de impactos socioambientais e no cumprimento das metas brasileiras em acordos internacionais.
Diante disso, surge uma pergunta: “Como a atividade de exploração florestal pode ser considerada aliada nas estratégias de conservação florestal e combate às mudanças climáticas, sendo que é uma das principais responsáveis pela degradação e pelas emissões de GEE?”. É por meio deste Posicionamento Técnico que pretendemos abordar essa questão e iniciar uma série de posicionamentos que publicaremos neste ano. Através desta iniciativa, buscamos aproximar a sociedade dos desafios, dilemas e oportunidades com os quais o desenvolvedor de projetos de carbono lida diariamente.
Neste texto será dada ênfase ao Manejo Florestal Madeireiro, que consiste na extração seletiva de espécies arbóreas nativas para beneficiamento em diferentes produtos madeireiros. Embora existam diversas abordagens de manejo florestal, como a extração de produtos não madeireiros, manejo de fauna, ecoturismo, entre outras, o Manejo Florestal Madeireiro é ainda a atividade mais relevante na Amazônia em termos econômicos2, de escala e de conhecimento técnico-científico.
A prática de manejo madeireiro não surgiu da forma como conhecemos hoje. No início do século XX, era caracterizada por uma exploração predatória dos recursos florestais, mas ao longo das últimas décadas, evoluiu para uma prática mais sustentável e responsável.
Esse desenvolvimento foi impulsionado no início na década de 1990, especialmente devido à Conferência das Nações Unidas de 1992 no Rio de Janeiro, a Eco-92, onde foram estabelecidos diversos compromissos relacionados à gestão de florestas, que resultaram na formulação de novas leis e políticas nacionais. Nos anos seguintes, surgiram então as primeiras certificações – com destaque para o FSC (Forest Stewardship Council) – e, com a melhoria das técnicas de redução de impactos e um maior olhar para aspectos sociais e de biodiversidade, a prática passou a ser chamada de Manejo Florestal de Impacto Reduzido, ou Manejo Florestal Sustentável (MFS).
Hoje, o MFS é uma prática que visa a extração seletiva de madeira, utilizando técnicas de baixo impacto que possibilitam a regeneração da floresta e a preservação da biodiversidade. Para quem tiver curiosidade em entender o MFS em mais detalhes, listamos algumas sugestões de leitura ao final deste texto.
Em paralelo ao processo de desenvolvimento do Manejo Florestal Madeireiro se desenvolvia também o Mercado Voluntário de Carbono (VCM, sigla em inglês). Após a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, em 2005, a tese do VCM ganhou mais força devido aos incentivos à geração de créditos de carbono por países em desenvolvimento, abrindo caminho para o surgimento de diversos padrões de certificação não vinculados ao Protocolo, como o Verified Carbon Standard (VCS) e o Gold Standard.
Não pretendo discorrer aqui sobre os detalhes da concepção e estrutura atual do VCM. Neste sentido, para os interessados no tema, listo leituras recomendadas ao final. Vale ressaltar que o VCM cresceu significativamente nos últimos anos, atingindo a marca de US$ 2 Bilhões em transações anuais em 20223 e estima-se que possa ultrapassar os US$ 50 Bilhões na próxima década4.
Neste contexto, o setor florestal desempenha um importante papel, especialmente para a modalidade de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que representa hoje cerca de 32% deste mercado em valor5 . O REDD+ é um mecanismo aplicado por governos ou organizações que visa remunerar resultados obtidos através do aprimoramento da gestão de florestas de modo a evitar o desmatamento e a degradação florestal, assegurando a manutenção dos estoques de carbono e da biodiversidade.
Mas qual a relação entre o VCM e o Manejo Florestal Madeireiro? Esta relação pode ser abordada de duas perspectivas opostas. Por um lado, a extração madeireira predatória pode ameaçar a conservação das florestas e reduzir a eficácia das estratégias de REDD+. Por outro lado, o Manejo Florestal de Impacto Reduzido, especialmente as operações certificadas, pode ser um aliado da conservação e essencial para as estratégias de REDD+.
Como diz um provérbio popular, “O que não se usa, se perde”. Um dos principais fatores que resultam na invasão de terras e desmatamento na Amazônia é a falta de governança territorial. A implementação e o fortalecimento de gestão territorial é uma estratégia fundamental para os Projetos REDD+, por meio da presença física, com o monitoramento ambiental, patrulhamento e operações de campo. Neste aspecto, a presença do MSF cumpre um papel fundamental, por meio de suas operações anuais de grande escala. Tanto o projeto REDD+ como o MFS asseguram a manutenção dos ativos principais do negócio: a madeira e o carbono. Além disso, implementam uma gestão de partes interessadas, proporcionando a geração de impactos positivos e reduzindo o risco de conflitos sociais.
Os desafios ambientais que enfrentamos atualmente exigem soluções em grande escala e que se perpetuem no longo prazo. Esses também são princípios fundamentais tanto do mercado de carbono quanto do MFS. Em outras palavras, para gerar impactos climáticos positivos consistentes, as iniciativas do mercado de carbono precisam ser viáveis em grande escala e os seus benefícios devem ser permanentes. Os projetos REDD+, por exemplo, devem ter duração mínima de 40 anos. O MFS é estruturado de forma semelhante, com ciclos de pelo menos 25 anos para cada Unidade de Produção Anual (UPA), permitindo a recuperação natural dos impactos na área explorada antes que a operação retorne para a mesma área. Essa dinâmica requer a estruturação de uma operação de longo prazo em grandes territórios. Deste modo, nada mais lógico que conciliar as duas operações, reduzindo riscos e facilitando o ganho de escala do negócio.
A floresta em pé no Brasil vale menos que a floresta derrubada, essa é uma máxima repetida há décadas. A retirada da floresta gera renda imediata através da venda da madeira e da rápida implementação de pecuária extensiva, somada à imediata valorização da terra, que se torna então “produtiva”. No Brasil, ainda faltam incentivos econômicos relevantes alinhados à conservação florestal que possam inverter essa lógica. Estes não devem se limitar apenas a políticas públicas de incentivo, como os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), mas também à utilização de mecanismos de mercado, como o crédito de carbono, e à exploração sustentável de recursos naturais como madeira, resinas, medicamentos, turismo, entre outros. A soma de atividades econômicas baseadas na natureza, também chamada de Bioeconomia, tende a aumentar os incentivos financeiros e equilibrar a relação custo-oportunidade em comparação com outras atividades convencionais, como a pecuária extensiva e a agricultura. Ou seja, o crescimento e a diversificação na geração de receita proveniente da exploração sustentável dos recursos naturais refletem diretamente nos incentivos para a manutenção destes recursos e, consequentemente, levarão à redução do desmatamento, objetivo principal do mecanismo REDD+.
Muitos consideram que a Amazônia é um laboratório a céu aberto, repleto de riquezas ainda não exploradas e com enorme potencial para oferecer soluções aos desafios da humanidade no século XXI. Infelizmente, a exploração dos recursos naturais ainda é predominante nessas regiões e baseia-se na extração de recursos primários com baixo nível de beneficiamento e praticamente nenhum emprego tecnológico (como madeira, minérios, frutos e castanhas), resultando na destruição de riquezas potenciais ainda não descobertas. Para invertermos essa lógica, é necessário um alto investimento em Pesquisa Cientifica & Inovação, acelerando as iniciativas em biotecnologia de forma atrelada à valorização do conhecimento tradicional. Essa abordagem vai de encontro com os valores promovidos pelo REDD+ e o MFS. Infelizmente, a existência de grandes territórios sob uma gestão de conservação de longo prazo e financeiramente saudável é exceção, não a prática no Brasil. Portanto, a consolidação dessas iniciativas tem o potencial de abrir portas à Pesquisa & Inovação, por meio de programas de incentivo em parceria com governos locais e do oferecimento de infraestrutura adequada.
Por fim, não poderia deixar de mencionar o aspecto relacionado aos impactos gerados pela contínua atividade de operação madeireira em uma floresta nativa e de que forma podem refletir nos Projetos REDD+. Mesmo o MFS certificado causa impactos, tais como a construção de infraestruturas, trilhas para passagem de máquinas, abertura de clareiras e a retirada de árvores de alta biomassa.
No entanto, é possível mensurar com precisão o nível destes impactos nos estoques de carbono e, posteriormente, descontá-los na contabilização de emissões do projeto REDD+. Isso pode ser realizado mediante a conciliação de dados operacionais de campo com técnicas de sensoriamento remoto, evitando questionamentos relacionados à integridade no cálculo das Emissões de GEE do projeto de carbono. Outros potenciais impactos sociais e ambientais podem ser monitorados e mitigados, por esse motivo são importantes as certificações que asseguram o controle de qualidade das operações. É importante ressaltar que esse impacto é substancialmente menor que as demais alternativas econômicas usuais, como a exploração madeireira predatória convencional, que frequentemente desencadeia uma degradação em série culminando na implantação da pecuária.
Sem dúvida, as soluções para o desenvolvimento econômico sustentável da região amazônica devem ir muito além da extração de recursos primários como madeira, e dos mecanismos transitórios de incentivo econômico, como o mercado de carbono.
Em uma escala macro, é necessário que ocorra um ordenamento territorial, por meio da regularização fundiária, comando e controle sobre atividades ilegais, e da implementação de uma gestão efetiva de terras públicas. Paralelamente, é essencial um investimento adequado em geração de conhecimento, de modo a sustentar o processo de transformação tecnológica das cadeias produtivas. Sem essas iniciativas, jamais conseguiremos avançar para além do extrativismo de produtos primários com baixo valor agregado, impedindo o crescimento na geração de renda e desenvolvimento socioeconômico.
O estabelecimento da atividade de MFS associada a projetos de carbono não representa a solução definitiva para a Amazônia, mas sim uma etapa inicial fundamental para possibilitar a consolidação de uma governança territorial com estabilidade financeira e visão de longo prazo, dando assim suporte ao desenvolvimento de outras iniciativas de maior valor agregado e assegurando a manutenção dos ativos ambientais para as próximas gerações.
Caio Gallego
Gerente de Inteligência NBS
Biofílica Ambipar
[1] Cerca de 48% das emissões nacionais em 2022, de acordo com os dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa)
[2] Segundo o IBGE, cerca de 63% da produção extrativista no Brasil em 2022 foi de origem madeireira.
[3] Ecosystem Marketplace, 2023: State of the Voluntary Carbon Markets 2023
[4] McKinsey, 2021: A blueprint for scaling voluntary carbon markets to meet the climate challenge
[5] Ecosystem Marketplace, 2023: State of the Voluntary Carbon Markets 2023