por Fernanda Rotta e Carolina Moro –
Em 2020, a Lei nº 12.651, que instituiu o novo Código Florestal, completou oito anos de sua promulgação, ocorrida em 25 de maio de 2012. A lei que tramitou durante cerca de 13 anos no Congresso Nacional (Projeto de Lei nº 1.876/99), substituiu o antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) que já era alvo de diversas alterações normativas mediante extenso conjunto de Medidas Provisórias, que alteravam principalmente, dentre outros aspectos, o percentual de reserva legal exigível nos imóveis.
Outro elemento ensejador da elaboração da nova lei de proteção da vegetação nativa era a necessidade de delimitação dos marcos temporais, tendo em vista a promulgação da Lei de Crimes Ambientais em 1998 (Lei nº 9.605) e de seu regulamento em 2008 (Decreto nº 6.514) que previam como tipos criminais e infracionais, respectivamente, condutas como, por exemplo, a supressão de vegetação sem autorização, além da obrigatoriedade de averbação da Reserva Legal nas matrículas dos imóveis.
Some-se como elemento deste contexto, por fim, os elevados índices de desmatamento ilegal verificados no território nacional naquele período, além da existência de uma norma que não era respeitada, sendo necessária sua modernização.
Dessa forma, a promulgação da nova lei veio com a promessa de estabilização da regulação do tema, regularização de passivos quanto à vegetação nativa em imóveis rurais e efetivação de instrumentos capazes de promover a proteção da vegetação no país ao mesmo tempo em que viabilizaria o seu uso econômico para atividades essenciais envolvendo a produção nacional.
Interessante ver os gráficos de emissões de gases de efeito estufa por desmatamento à época da promulgação do Código Florestal, que chegou a um patamar impressionantemente reduzido. Apesar do texto final não agradar a todos, houve um processo democrático extenso, com muitos debates e ajustes, iniciando-se o novo desafio de implementar as novas regras.
O Código trouxe para o contexto nacional, o Cadastro Ambiental Rural – CAR, instrumento de registro utilizado inicialmente nos estados do Pará e Mato Grosso, essencial para entender o contexto do território nacional, viabilizando assim, dentre outros, a tomada de decisão para implementar políticas públicas na área rural.
Além disso, uma vez mapeada a situação das propriedades rurais brasileiras, passo seguinte seria a regularização das propriedades. Isto porque, regras claras e segurança jurídica são elementos centrais para criar um ambiente saudável ao desenvolvimento dos mais diversos negócios.
Ao regularizar as propriedades, o Código permite, dentre outras possibilidades, que proprietários com passivos de reserva legal decorrentes de supressões realizadas antes de 22.07.2008, compensem suas respectivas áreas de passivo de reserva legal (art. 66, §5º, Lei nº 12.651/12) em áreas já conservadas, mantendo a floresta com todo seu potencial já existente de biodiversidade, incentivando aqueles proprietários que conservam a continuar conservando e permitindo que as produções existentes se mantenham. Outras medidas, tais como a recomposição e regeneração de tais áreas também foram abarcadas pela norma.
Ademais, o artigo 41 do Código Florestal, prevê a instituição de programa de apoio e incentivo à conservação do meio ambiente e à adoção de tecnologias e boas práticas que conciliem a produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais para promoção do desenvolvimento ecologicamente sustentável.
No entanto, ato contínuo à sua promulgação, o Código Florestal foi objeto de intensa judicialização, do que se destacam as ações quanto à constitucionalidade de diversos dispositivos junto ao Supremo Tribunal Federal – STF (ADIs nº4.901, 4.902, 4.903 e 4.937 e ADC nº 42). Mais recentemente, a possibilidade de reconhecimento de área consolidada em APP no Bioma Mata Atlântica também se tornou objeto de questionamento no STF e segue tramitando (ADI nº 6446 proposta pela Advocacia Geral da União -AGU).
Outro desafio para sua implementação decorreu das subsequentes prorrogações dos prazos para inscrição do CAR pelos proprietários e posseiros. Sem a conclusão desta etapa, não seria possível criar os alicerces para as fases seguintes, ou seja, o início dos Programas de Regularização Ambiental – PRA.
Quanto às competências destaca-se que a União traça as diretrizes gerais, por meio de suas pastas do meio ambiente e da agricultura, uma vez que o Serviço Florestal Brasileiro, atualmente, integra o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Já os Estados implementam os PRAs, podendo, inclusive, delegar poderes aos munícipios. Vale pontuar que também cabe aos Estados a fiscalização e exercício do poder de polícia quanto aos imóveis rurais.
Importante ressaltar, no entanto, que os Estados inicialmente não estavam preparados ou mesmo estruturados para entender, absorver e implantar essas regras. Quantas vezes nos deparamos realizando esclarecimentos aos agentes dos órgãos ambientais, e até mesmo oficiais de cartórios de registros de imóveis, quanto às regras e novidades trazidas pelo Código. O início não foi fácil.
Mas aos poucos, o Código toma forma. A compensação de reserva legal por meio de doação de imóveis em unidades de conservação é regulamentada e implementada pelos órgãos federais (Instrução Normativa ICMBio nº 5/2016) e estaduais. As Cotas de Reserva Legal são regulamentadas em 2018, pelo Decreto nº 9.640. O julgamento de constitucionalidade do Código, ocorrido em 13.08.2019, estabiliza a Lei em quase sua totalidade.
A Portaria MMA nº 288, de 03 de julho de 2020, regulamenta parcialmente o artigo 41 do Código florestal, por meio do Programa de Pagamento por Serviços Ambientais federal denominado “Floresta +”, a ser utilizado como incentivo à implementação do Código Florestal.
Grande parte dos produtores rurais e pequenos proprietários passam a compreender esse complexo arcabouço legal e cada vez mais Estados estão desenvolvendo seus próprios Programas de Regularização Ambiental. Em um panorama geral, cerca de 18 Estados possuem regulamentações do PRA, estando o maior déficit de implementação concentrado na região nordeste.
O prazo para adesão ao PRA termina em 31 de dezembro de 2022, sendo condição para a adesão, a inscrição do imóvel no CAR até 31 de dezembro de 2020. O final deste ano de 2020 também é o prazo para que os Estados implementem o PRA e caso algum não consiga, o proprietário ou possuidor de imóvel rural poderá aderir ao PRA implantado pela União.
Vale ressaltar que os Estados, por meio do PRA, estabelecem os procedimentos para regularização dos passivos ambientais de Reserva Legal, Áreas de Preservação Permanente e Áreas de Uso Restrito, considerando as particularidades de cada Estado, culminando na celebração de Termo de Compromisso com o órgão ambiental, pelo qual os proprietários ou possuidores se comprometem a regularizar suas áreas conforme projeto por eles apresentado, contendo cronograma, métodos e propostas de regularização adaptadas às normas legais, e com opções que podem ser adequadas ao contexto de cada imóvel.
O Código Florestal é uma norma viabilizadora do desenvolvimento sustentável, uma vez que integra as regras de utilização e exploração florestal, com conservação e proteção das florestas. Congrega normas de comando e controle com políticas de incentivo para serviços ecossistêmicos, tais como regulação do clima, proteção dos recursos hídricos e da biodiversidade. Assim, ao mesmo tempo que regula o uso do solo para atividades rurais, incentiva produtores rurais, empreendedores de impacto, empresas do agronegócio e comunidades a desenvolverem atividades sustentáveis.
Por fim, na questão climática, que cada vez mais preocupa investidores, bancos, empresas e governos, além da própria sociedade, o Brasil comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, para tanto, uma de suas principais metas é o fortalecimento do cumprimento do Código Florestal.
Diante disso, e sobretudo refletindo sobre o ano de 2020 e o olhar para a construção de uma sociedade que perceba o meio ambiente como parte fundamental ao desenvolvimento de uma economia sustentável, a implementação efetiva do Código Florestal se mantém como peça fundamental para lidar com os desafios que enfrentaremos nos próximos anos.
Fernanda Rotta é colunista de direito ambiental no blog da Biofílica, mestranda em Direito Ambiental pela Faculdade de Direito da USP, possui MBA em Gestão em Sustentabilidade pela FGV/EAESP e é sócia no Rotta e Moro Sociedade de Advogados.
Carolina Moro é colunista de direito ambiental no blog da Biofílica, doutoranda em Ciência Ambiental pelo PROCAM/USP e é sócia no Rotta e Moro Sociedade de Advogados.